quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A Última Vez que Fui na Feira Escandinava, ou Como Roubaram Minha Infância



Devo começar esta triste história explicando que meu pai é sueco, logo, metade da minha família – e de mim – também.

Por causa disso, eu vou à Feira Escandinava desde que me conheço por gente. Era lá que a gente comprava as comidas para a ceia de natal, mas era também todo um ritual: todo ano a gente comprava as mesmas coisas, comia os mesmos sanduíches servidos pelas mesmas pessoas, e eu passava um tempo com a minha avó, que sempre trabalhou em uma das barracas da feira. Teve até um ano que eu fui assistente dela fazendo embrulhos.

Desde 1997 minha avó já não trabalhou mais lá. Meus avós voltaram definitivamente para a Suécia, e lá faleceram. Mas eu continuei indo todo santo ano, fazendo exatamente a mesma coisa. E na barraca da minha avó, sempre me enchi os olhos de lágrima, de saudade (já enche só de escrever sobre isso).

Com o passar dos anos, foi todo mundo perdendo o saco de ir na feira – pai, mãe, irmã... Estava cada vez mais cheia e já não dava para comprar nada. Mas eu continuei indo, mesmo sabendo que alguma coisa grande tinha mudado no caráter do evento, e não era só a minha experiência familiar.

No ambiente das comidas, o mais disputado, formavam-se filas gigantes, os corredores eram esgotados em segundos, e eu ouvia comentários como “Benhê, o que é isso?” para, digamos, um pote de arenque “Sei lá” “Ah, vou pegar uns três”. Aí na fila do caixa, começava o escambo. “O que é isso no seu carrinho? Troca por um desse?” e eu não estou exagerando, porque uma vez em Roma – e claramente não em um país nórdico – só me restava aderir a essa loucura para conseguir os ingredientes da ceia e eu fazia altas negociações. Isso sem contar os carrinhos abandonados na frente do caixa, as pilhas de produto no chão porque as pessoas pegaram coisa demais e não conseguiam pagar... Em suma, uma experiência chata e estressante.

Mas eis que este ano meu pai se animou de ir de novo, e eu achei que ia ser bacana. Nós temos convites, que em teoria são para a comunidade escandinava, para quem entende a feira como tradição e como um elemento de identidade cultural. Mas ao chegar lá, a fila dobrava esquina, e seguia. Quando os portões se abriram, criou-se uma grande muvuca na porta e resolveram deixar as pessoas entrarem em turnos. Nas conversas telefônicas à minha volta, eu ouvia coisas como “já entrou? Tá com carrinho? Pega tudo, não vai sobrar nada”.

Vejam, aqui é importante fazer um parêntese de que eu não acho que este deva ser um evento fechado, sempre adorei levar meus amigos e eu mesma sou metade brasileira com muito orgulho. A questão não é nem quem entra, deixa de entrar, ganha convite ou não. É na postura do consumo, num absoluto esvaziamento de significado do evento.

Pela primeira vez, talvez porque meu pai estava comigo, tive coragem de desistir. Coloquei os óculos escuros para disfarçar que estava chorando. A minha sensação é que naquele momento, aquela horda insana por consumir sabe-se lá o que, roubou minha avó e minha infância de mim.

Não digo que nunca mais vou. Mas se voltar, já não será com aquele carinho que por tantos anos eu consegui preservar sobre esta tradição. É realmente uma pena.