segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sobre morangos


Em setembro de 2002 eu fui morar com a minha tia em Bruxelas. Para quem ficava a semana inteira juntas na escola mais todos os fins de semana na casa dela, foi um choque estar longe da Nat. Ela foi pra lá passar o natal e ano novo comigo, aproveitando que nunca tinha ido pra Europa e que já estávamos loucas de saudades.

No dia primeiro de janeiro de 2003, fomos para Paris passar três dias. Fizemos algumas das coisas turísticas obrigatórias, mas nada que requeresse muitas filas ou chateações, e comemos muitos pãezinhos. No último dia, estávamos no Louvre nos aculturando quando de repente olhei pela janela e vi que estava nevando. Dane-se a Mona Lisa, vamos lá curtir! A Nat nunca tinha visto neve. E nem parecia que ia nevar, ficamos com o maior frio, compramos dois pares de luvas GG na rua, que era o que tinha, e fomos andar por aí.

Não lembro bem como, acho que raspei a neve que se acumulou no capô de um carro, fiz uma bolinha e joguei nela. Ela imediatamente correu até o carro da frente, juntou outro montinho e tacou de volta em mim. Isso virou uma brincadeira e saímos correndo e gargalhando pela cidade, jogando neve uma na outra, virando esquinas, derrapando e gritando. Só acabou quando uma de nós, não sei qual, escorregou num gelo fininho e se estabacou no chão, o que foi mais engraçado do que dolorido, e deu um tempo pra gente parar e recuperar o fôlego.

Nessa hora percebemos que tínhamos passado a tarde nisso, não fazíamos mais ideia de onde a gente estava e logo, logo era hora de ir embora, o que implicava em voltar pro hotel, catar nossas malas e ir pra estação de trem. Em tempos que o celular servia apenas para fazer e receber ligações e as ruas já estavam fora do mapa turístico, precisamos usar toda a nossa inteligência, mas conseguimos nos achar e deu tudo certo.

Existe uma expressão em sueco – smultromställe -, que significa literalmente “lugar dos morangos silvestres”. Mas o que quer dizer de verdade é um lugar no mundo em que você se sente bem, longe de stress, de tristeza, de qualquer coisa ruim. É um cantinho que só você conhece, que outros não perceberiam como é especial, e que você vai para fugir um pouco do mundo.

Eu tenho voltado muito para aquele dia em Paris porque ele foi de verdade um dos melhores da minha vida. E daí percebi que a minha amizade com a Nat, mesmo com todos os dramas aos quais éramos tão afeitas, era um smultronställe espiritual. Cada noite que a gente virava inventando histórias, cada sequência de risos histéricos por coisas absolutamente banais, em que não existia mais nada no mundo, ficava tudo bem.

Queria que esse ano acabasse logo, mas não sei se quero encarar um próximo que vai começar sem ela. Por sorte tenho pra onde ir recuperar minha forças.