segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Gota d'Água (a seco)

A peça Gota d'Água a seco, em cartaz pelo Brasil, merece ser vista.
Claro que ela tem suas falhas, mas nem vou falar quais acho que são porque quem for que veja; vou falar do que ela tem de forte. Primeiro que tecnicamente está muito impressionante: o figurino, o cenário e a luz são lindos. E não são lindos estaticamente, são lindos por como são usados e apropriados de formas diversas ao longo da peça inteira. Para dizer que a direção é demais.
O texto, todo em verso, a música... Bom, é Chico, é foda. Mas o que a peça quer dizer, quarenta e um anos depois com a mesma força, é onde está a paulada. Ela tem muitos níveis, claro. Alguns que vêm da música, alguns que vêm da história, alguns que vêm de como os dois se relacionam. Fala de Brasil, de anos 1970, de ditadura, de luta de classe, de uma história de amor, de uma tragédia grega. Mas o que me pegou pela espinha é que ela fala da mulher: Joana. Da mulher que trabalha e cuida dos filhos e luta por moradia e toca o terror com seu poder e ainda assim parece que só perde. E da mulher que ama e seduz e é forte e fraca e é humilhada e fica para trás. Especialmente a que fica para trás.
Saí de lá super mexida e pensando em outras peças que saíram esses últimos tempos – Garrincha e Cartola – que têm suas qualidades e não têm quase nada a ver com essa, salvo que tratam da história de um cara que saiu de um lugar muito pobre, tinha um talento especial e cresceu na vida, com seus trancos e barrancos, mas superou ali uma condição e ganhou em algum momento o devido reconhecimento. Assim como Jasão, o homem da Gota d’Água. E eles três deixam uma mulher para trás em algum momento, maltratam, são alcoólatras, traem, e tudo isso é meio romantizado ou relativizado nas outras duas encenações porque eles são, afinal, os heróis. Só que o Chico não está falando do Jasão, está falando da Joana. E a Laila Garin segura uma carga de emoção ali, em cena a peça inteira, que olha.
É uma peça linda, forte, sobre a condição feminina num certo momento, que ecoa para o contemporâneo. E em tempos de golpe atrás de golpe, de levante reacionário mundial, ela ganha uma pertinência por sua própria importância histórica.

Essa fota não é minha, é divulgação que achei na interwebs.



quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Vamos falar de design também?


Esse vídeo era parte da instalação da Alemanha na I Bienal de Design de Londres, feita por Konstantin Grcic e Olivia Herms, batizada "Utopia means Elsewhere. Sentar naquela sala escura, quentinha, com esse fogo virtual de fato era transportador para outro estado de espírito.

Acompanhando a semana de design de Londres em setembro desse ano, fui entre outras coisas à I Bienal de Design deles e a duas feiras mais comerciais, mas de objetivos diferentes. Eu vi um monte de coisa bacana, mas cuja serventia principal para mim, e que acho válida colocar para quem se interessar, foi pensar o papel e a situação do Brasil frente ao design e a esse tipo de evento. Infelizmente eu demorei para sentar e escrever e nesse meio tempo perdi minhas anotações, mas algo de bom deve sair ainda.

A Bienal de Design, na Sommerset House, tinha como tema “Design e Utopia” e foi feita nos moldes de estandes de países, o que é interessante, mas sempre deixa a coisa toda meio esquizofrênica porque no fim a curadoria de cada lugar faz o que bem entende. Bom, eram 37 participantes e o Brasil não era um deles (de América do Sul, só o Chile, e apresentando a releitura de um projeto pré-golpe lá, salvo engano de 1973 mesmo). Resumidamente, a maioria das propostas era bem conceitual, não lidava exatamente com produto ou gráfico, mas com uma forma de pensar o mundo, assumindo um papel crítico talvez mais comumente (anteriormente?) associado à arquitetura ou à arte.

A London Design Fair, num lugar bacanérrimo chamado Old Truman Brewery, era super de vendas, e focada no design autoral, marcas pequenas, artesanais, muita gente que parecia estar começando. Se fosse comparar (que nunca é bom), seria como a MADE daqui. Tinham estandes de marcas e estúdios, e também institucionais, de países de fora do Reino Unido que trouxeram uma amostra que eles consideraram representativa de design para lá (como Itália, todos os escandinavos, China, Índia e mais alguns – de novo sem Brasil e, nesse caso, nenhum outro da América Latina). Lá ficou claro que a nossa produção não está devendo NADA para nenhuma dessas, está aliás pareada para cima. Formalmente, os materiais mais frequentes eram a madeira, quase sempre clara e sem tingimento, metais, tecidos naturais em cores neutras. As linhas eram bem leves, mínimas. Não tinha nada de muito novo, mas coisas interessantes, a maioria de bom gosto, e uma coisa bem intimista desde a proposta da feira até o que os produtos sugeriam como domesticidade.

Já a 100% Design, uma feira bem tradicional num lugar gigante chamado Olympia, era da indústria grande mesmo, e tinha de tudo: mobiliário residencial, corporativo, revestimentos, cozinha, banheiro, tecnologias... Se fosse comparar (continua não sendo bom), seria o que a High Design, me parece, pretende ser. Lá de novo tinha uma mistura entre marcas e estandes institucionais, mais uma vez com China, Itália, além de Eslovênia, Argentina (o único da América do Sul) e outros. E também de novo não achei que nossa produção devesse nada, fora na questão tecnológica. Ali já tinham plásticos, misturas, cores fortes. Uma pegada mais modernista mesmo estava só nos corporativos, o resto assumia uma coisa mais revivalista de estilos, regionalismos e o que talvez se chame de tendências (tenho dificuldades com esse conceito). Tinha um setor mais de luxo separado com design assinado, o que me levou a crer que a maioria das outras coisas expostas lá tinha um custo mais ou menos acessível.

Falei tudo isso porque o que ficou para mim foi um grande incômodo: se a nossa produção está de alto nível, se o que temos a oferecer é diferente, interessante, POR QUE NÃO ESTAMOS LÁ? Por que é que nem as iniciativas privadas e, mais difícil, mas no fundo mais grave e importante, uma política econômica e industrial pública, não estão interessadas em estimular nossa presença nesses espaços? Se estamos em crise e precisamos estimular a produção, se estamos baratos para esses lugares, por que essa não é considerada uma estratégia?

O mais triste de tudo isso, me parece, é que se houvesse esse interesse, toda a nossa produção só teria a ganhar e, com isso, a questão que me é mais cara, de qualificar a produção interna para a grande escala, acessível à população brasileira de maneira ampliada, seria mais viável pela construção de uma cultura de projeto qualificada
.
Enfim, não tenho respostas, mas é um debate a ser feito.

Os links para quem quiser fuçar:
Bienal de Design de Londres - http://www.londondesignbiennale.com/
London Design Fair - http://www.londondesignfair.co.uk/
100% Design - http://www.100percentdesign.co.uk/