sexta-feira, 15 de setembro de 2017

High-Rise: quadro, livro, filme


Eu vi esse quadro em setembro do ano passado na Tate Modern e me senti imediatamente atraída, mesmo sem haver nada nele que justificasse exatamente o porquê. A combinação dessa frase, tão enigmática, com essas cores, essa vista idílica, me fascinaram. A plaquinha ao lado me informou que ele se chama The Music from the Balconies, do Edward Ruscha, de 1984, e que essa frase foi tirada do romance High-Rise, do J. G. Ballard, de 1975. Saí de lá direto para uma livraria, e na capa do livro descobri que ele também tinha virado filme.
O texto é fácil de ler e difícil de digerir, mas recomendo vivamente para arquitetos e urbanistas por ser, em última análise, uma distopia do projeto moderno, um Pruitt-Igoe num universo de brutalidade em todos os sentidos, um conto sobre a deterioração da sociedade banhado em surrealismo. Mais especificamente, é sobre um arranha-céu na periferia londrina com 2000 habitantes que aos poucos abraçam uma vida primitiva de luta de classe e por sobrevivência, confinados por escolha em uma enorme casca de concreto armado.
Terminei achando bom, mas ele cresceu mesmo nos dias seguintes. Tudo à minha volta me remetia à história, de repente parecia tão claro que estamos sempre no limite da civilidade, seja por consequências mal calculadas do momento em que vivemos, seja por fugas deliberadas em âmbito pessoal.
Fui então ao filme, de 2015. Foi chato de achar, e tem um motivo: não é tão bom. Há muitos pontos positivos e outros tantos negativos, mas o maior pecado mesmo talvez tenha sido perder a violência delicada que esse quadro captou. Em todo caso, achei muito bonito ver mais a fundo como uma ideia, uma história, se desdobra em diferentes mídias ao longo de décadas e ligar esses pontos.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Sobre T2 (baseado nos livros Porno e Trainspotting)


Eu tinha 16 anos quando Porno foi lançado e comprei imediatamente. Eu já era viciada em Trainspotting, e por viciada eu quero dizer obsessão mesmo. Tinha assistido o filme incansavelmente, lido o livro, o roteiro e visto a montagem de teatro no TBC duas vezes (e me apaixonado pelo Mark carioca, óbvio).

Eu morava em Bruxelas naquele momento e tinha o hábito de ir ler em praças. Cada vez que eu me sentava num banco público com ele em mãos, sentia um certo poder, como se estivesse fazendo uma pequena performance. Era uma menina segurando um livrão com esse título e essa boneca inflável encarando quem me olhasse, sem pedir licença, sem dar dicas de qual efetivamente era o conteúdo que eu estava consumindo.

Tive um xilique de alegria quando soube que ele seria transformado em filme com o mesmo elenco e diretor, no tempo certo de distância que a história tem mesmo entre o primeiro é o segundo livro. Logo depois fiquei decepcionada com o título "tê dois" porque dá uma amenizada na recepção que ele poderia ter, mas, em todo caso, ontem finalmente fui ao cinema ver qual era.

Claro que fiz o que eu sempre faço quando estou ansiosa e preciso apertar botões: comprei ingresso pro dia errado. Então tive que ir no caixa de humanos e não no totem que eu estava, para extornar a primeira tentativa e comprar o bilhete certo. Por causa disso eu entrei na sala no primeiro segundo do filme e nem tive tempo de me aquecer com trailers e afins. O começo é bem idêntico ao livro, empolguei. Depois a história muda completamente e justifica o nome diferente, o que então não foi mais um problema.

É na verdade uma grande homenagem ao primeiro filme, sem deixar de ser visualmente incrível e com uma trilha sonora impecável. A auto-referência é tanta que num dado momento um dos personagens literalmente lê a primeira frase do primeiro capítulo de Trainspotting - "the sweat wis lashing oafay Sick Boy" -, o que é bem emocionante pra quem reconhece porque é a porta de entrada pra todo aquele universo, sem contar que é quando você descobre que não vai ler um livro em inglês, mas em escocês falado. Tem várias outras alusões nessa mesma linha, Easter eggs, acenos e afagos a um tempo passado, na frente e atrás das câmeras.

Por ser assim saudosista, T2 acaba deixando umas pontas soltas e não tem a força do antecessor, mas não sei como ele impacta quem vai assisti-lo menos envolvido do que eu. Em todo caso, a sessão foi bem barulhenta entre risadas nervosas, sinceras, barulhos de nojo e espanto.

Faz quase quinze anos desde que eu sentei pela última vez na Place du Petit Sablon com esse livro, e por uma série de motivos tenho frequentado um espaço mental similar ao que eu estava naquela época, mas nesse meio tempo eu fiz a única coisa que dá pra se fazer: I chose life.

Tenho mil outras impressões sobre o filme, evidentemente, mas acho mais produtivo guardá-las pra conversas e não monólogos. E lá vou eu ler os dois livros de novo e retrabalhar essa paixão.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Gota d'Água (a seco)

A peça Gota d'Água a seco, em cartaz pelo Brasil, merece ser vista.
Claro que ela tem suas falhas, mas nem vou falar quais acho que são porque quem for que veja; vou falar do que ela tem de forte. Primeiro que tecnicamente está muito impressionante: o figurino, o cenário e a luz são lindos. E não são lindos estaticamente, são lindos por como são usados e apropriados de formas diversas ao longo da peça inteira. Para dizer que a direção é demais.
O texto, todo em verso, a música... Bom, é Chico, é foda. Mas o que a peça quer dizer, quarenta e um anos depois com a mesma força, é onde está a paulada. Ela tem muitos níveis, claro. Alguns que vêm da música, alguns que vêm da história, alguns que vêm de como os dois se relacionam. Fala de Brasil, de anos 1970, de ditadura, de luta de classe, de uma história de amor, de uma tragédia grega. Mas o que me pegou pela espinha é que ela fala da mulher: Joana. Da mulher que trabalha e cuida dos filhos e luta por moradia e toca o terror com seu poder e ainda assim parece que só perde. E da mulher que ama e seduz e é forte e fraca e é humilhada e fica para trás. Especialmente a que fica para trás.
Saí de lá super mexida e pensando em outras peças que saíram esses últimos tempos – Garrincha e Cartola – que têm suas qualidades e não têm quase nada a ver com essa, salvo que tratam da história de um cara que saiu de um lugar muito pobre, tinha um talento especial e cresceu na vida, com seus trancos e barrancos, mas superou ali uma condição e ganhou em algum momento o devido reconhecimento. Assim como Jasão, o homem da Gota d’Água. E eles três deixam uma mulher para trás em algum momento, maltratam, são alcoólatras, traem, e tudo isso é meio romantizado ou relativizado nas outras duas encenações porque eles são, afinal, os heróis. Só que o Chico não está falando do Jasão, está falando da Joana. E a Laila Garin segura uma carga de emoção ali, em cena a peça inteira, que olha.
É uma peça linda, forte, sobre a condição feminina num certo momento, que ecoa para o contemporâneo. E em tempos de golpe atrás de golpe, de levante reacionário mundial, ela ganha uma pertinência por sua própria importância histórica.

Essa fota não é minha, é divulgação que achei na interwebs.



quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Vamos falar de design também?


Esse vídeo era parte da instalação da Alemanha na I Bienal de Design de Londres, feita por Konstantin Grcic e Olivia Herms, batizada "Utopia means Elsewhere. Sentar naquela sala escura, quentinha, com esse fogo virtual de fato era transportador para outro estado de espírito.

Acompanhando a semana de design de Londres em setembro desse ano, fui entre outras coisas à I Bienal de Design deles e a duas feiras mais comerciais, mas de objetivos diferentes. Eu vi um monte de coisa bacana, mas cuja serventia principal para mim, e que acho válida colocar para quem se interessar, foi pensar o papel e a situação do Brasil frente ao design e a esse tipo de evento. Infelizmente eu demorei para sentar e escrever e nesse meio tempo perdi minhas anotações, mas algo de bom deve sair ainda.

A Bienal de Design, na Sommerset House, tinha como tema “Design e Utopia” e foi feita nos moldes de estandes de países, o que é interessante, mas sempre deixa a coisa toda meio esquizofrênica porque no fim a curadoria de cada lugar faz o que bem entende. Bom, eram 37 participantes e o Brasil não era um deles (de América do Sul, só o Chile, e apresentando a releitura de um projeto pré-golpe lá, salvo engano de 1973 mesmo). Resumidamente, a maioria das propostas era bem conceitual, não lidava exatamente com produto ou gráfico, mas com uma forma de pensar o mundo, assumindo um papel crítico talvez mais comumente (anteriormente?) associado à arquitetura ou à arte.

A London Design Fair, num lugar bacanérrimo chamado Old Truman Brewery, era super de vendas, e focada no design autoral, marcas pequenas, artesanais, muita gente que parecia estar começando. Se fosse comparar (que nunca é bom), seria como a MADE daqui. Tinham estandes de marcas e estúdios, e também institucionais, de países de fora do Reino Unido que trouxeram uma amostra que eles consideraram representativa de design para lá (como Itália, todos os escandinavos, China, Índia e mais alguns – de novo sem Brasil e, nesse caso, nenhum outro da América Latina). Lá ficou claro que a nossa produção não está devendo NADA para nenhuma dessas, está aliás pareada para cima. Formalmente, os materiais mais frequentes eram a madeira, quase sempre clara e sem tingimento, metais, tecidos naturais em cores neutras. As linhas eram bem leves, mínimas. Não tinha nada de muito novo, mas coisas interessantes, a maioria de bom gosto, e uma coisa bem intimista desde a proposta da feira até o que os produtos sugeriam como domesticidade.

Já a 100% Design, uma feira bem tradicional num lugar gigante chamado Olympia, era da indústria grande mesmo, e tinha de tudo: mobiliário residencial, corporativo, revestimentos, cozinha, banheiro, tecnologias... Se fosse comparar (continua não sendo bom), seria o que a High Design, me parece, pretende ser. Lá de novo tinha uma mistura entre marcas e estandes institucionais, mais uma vez com China, Itália, além de Eslovênia, Argentina (o único da América do Sul) e outros. E também de novo não achei que nossa produção devesse nada, fora na questão tecnológica. Ali já tinham plásticos, misturas, cores fortes. Uma pegada mais modernista mesmo estava só nos corporativos, o resto assumia uma coisa mais revivalista de estilos, regionalismos e o que talvez se chame de tendências (tenho dificuldades com esse conceito). Tinha um setor mais de luxo separado com design assinado, o que me levou a crer que a maioria das outras coisas expostas lá tinha um custo mais ou menos acessível.

Falei tudo isso porque o que ficou para mim foi um grande incômodo: se a nossa produção está de alto nível, se o que temos a oferecer é diferente, interessante, POR QUE NÃO ESTAMOS LÁ? Por que é que nem as iniciativas privadas e, mais difícil, mas no fundo mais grave e importante, uma política econômica e industrial pública, não estão interessadas em estimular nossa presença nesses espaços? Se estamos em crise e precisamos estimular a produção, se estamos baratos para esses lugares, por que essa não é considerada uma estratégia?

O mais triste de tudo isso, me parece, é que se houvesse esse interesse, toda a nossa produção só teria a ganhar e, com isso, a questão que me é mais cara, de qualificar a produção interna para a grande escala, acessível à população brasileira de maneira ampliada, seria mais viável pela construção de uma cultura de projeto qualificada
.
Enfim, não tenho respostas, mas é um debate a ser feito.

Os links para quem quiser fuçar:
Bienal de Design de Londres - http://www.londondesignbiennale.com/
London Design Fair - http://www.londondesignfair.co.uk/
100% Design - http://www.100percentdesign.co.uk/

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Vamos falar de sexo?

Este resumo não está disponível. Clique aqui para ver a postagem.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Um episódio na Parada LGBT


Andei com a Tania na Parada da altura da Ministro Rocha Azevedo com a Paulista até a Antonia de Queirós com a Consolação, e aí decidimos virar para Augusta e tomar uma cerveja antes de voltar para casa. Sentamos numa mesa na calçada de um bar e o papo estava triste, falando sobre o panorama conservador que enfrentamos, casos, ideias, teorias, permeadas por uma sensação de desânimo e impotência. Em dado momento um homem de meia idade, mestiço, um pouco gordo, mas forte, cabelo curto e um início de calvíce, nenhuma característica marcante na verdade, nos abordou. Nos cumprimentou com um aperto de mão e disse:
- Estou aqui para passar uma palavra para vocês.
Já fiquei de bode, odeio ser abordada, achei que ia querer vender algo, pedir algo, ou só fazer um discurso inconveniente.
- Vocês têm que se proteger viu, vocês, meninas, precisam se proteger.
Achei que estava falando sobre sexo seguro, até por estarmos onde estávamos no dia em que estávamos. Ele já havia abordado a mesa anterior, com um casal, não sei o que falou, mas deveria ser na mesma linha.
- Pode deixar – respondemos - Vamos nos proteger sim.
- Vocês precisam se proteger porque vocês são mulheres, vocês são as presas. Os homens, nós somos predadores, eu não, mas os homens são ruins. Um homem é forte, um homem pode te dominar, o que você vai fazer?
Nossa, não era isso que eu achei que ele ia falar. E que raciocínio invertido. Vou concordar para ele ir embora logo. Só fiz que sim com a cabeça. A Tania não conseguiu engolir.
- Mas vocês homens que não podem atacar mulheres.
- Ah, mas não tem como, somos irracionais. Minha filha está aqui na Parada, eu falo isso para ela. Vocês mulheres têm que se proteger.
A Tania insistiu.
- Mas não é certo isso, as mulheres não têm que se esconder, os homens que têm que saber o que é certo.
- Mas veja, é assim que as coisas são. Pode ser que a gente saiba que não é certo, mas homem é forte, bravo, mulheres, dizem, são sensíveis, delicadas. Você – apontando pra Tania – você está vestida de um jeito discreto – A Tania estava com uma calça jeans, camiseta branca e casaco cinza – mas você, você está chamando muita atenção, tem que tomar cuidado.
Eu estava com um vestido fechado do pescoço até o joelho, meia calça opaca e tênis. Sim, o vestido era bem estampado, sim, meu cabelo é azul. Mas ainda assim, e nem assim. E aí também não dava para abaixar a cabeça e ignorar, não dava para ser conivente.
- De jeito nenhum, eu posso me vestir do jeito que eu quiser, não posso ficar me protegendo ou mudando quem eu sou por ter medo. Eu tenho que poder ser quem eu sou e os homens têm que me respeitar porque é isso que as pessoas têm que fazer, senão não dá para viver.
Silêncio.
- Taí, você tem razão.
Silêncio, da nossa parte, em choque.
- Vocês estão certas, não tinha pensado por esse lado. É uma questão de respeito.
- Sim! Cada um têm que poder se expressar. Inclusive você pode ser sensível também.- Não, não, eu não sou assim. Mas vocês estão certas, vocês são mais fortes.
A Tania complementou:
- Mulheres são estupradas até de burca, não é cobrir que resolve. Eu poderia sair pelada, de plumas ou toda de preto. Nada disso é convite, nada disso significa que eu não possa falar não.
- Até de burca, meu deus. Não tem limite, até onde vocês têm que se cobrir, não pode ser assim.
Continuei:
- A gente sabe que o mundo ainda é perigoso, mas a gente sabe se proteger. A sua filha também. E a gente vai proteger ela, as mulheres vão se ajudar. E vocês homens têm que fazer parte dessa lutar e nos respeitar. Agora se você não se importa, eu queria continuar a conversar com a minha amiga.
- Olha, estou muito feliz que vocês falaram isso. Eu estava muito preocupado, mas agora eu mudei minha cabeça, estou em paz. Muito obrigado, e deus abençoe vocês. Estou em paz mesmo.
Ele seguiu o caminho dele sem abordar nenhuma outra mesa, foi viver a vida dele. Provavelmente ele trouxe a filha e estava perambulando e esperando. Provavelmente estava um pouco bêbado, apreensivo por ela, por estar num ambiente que talvez para ele parecesse hostil. Mas houve uma virada de percepção, de visão de mundo, tão rápida, tão fácil, tão serena. Sentamos, a Tania literalmente chorou de alegria. Brincamos que a deusa mandou aquele sujeito especialmente para a gente recuperar a fé, que ninguém no mundo real seria assim. Muitos não são mesmo, mas esse cara era. Espero que ele "passe essa palavra", que comece a achar estranho quando amigos fizerem comentários violentos. Que empodere a filha dele por reconhecer a força e a liberdade que ela merece.
Já teria valido sair de casa para fazer número e defender o que é certo. Mas esse encontro absolutamente surreal fez valer muito mais, deu ânimo, um desejo que outros diálogos com esse nível de delicadeza possam se multiplicar em todos os lugares. E aí vale escrever e dividir para animar quem não tenha tido um momento assim nos últimos tempos e queira uma dose de esperança para começar a semana.



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sobre morangos


Em setembro de 2002 eu fui morar com a minha tia em Bruxelas. Para quem ficava a semana inteira juntas na escola mais todos os fins de semana na casa dela, foi um choque estar longe da Nat. Ela foi pra lá passar o natal e ano novo comigo, aproveitando que nunca tinha ido pra Europa e que já estávamos loucas de saudades.

No dia primeiro de janeiro de 2003, fomos para Paris passar três dias. Fizemos algumas das coisas turísticas obrigatórias, mas nada que requeresse muitas filas ou chateações, e comemos muitos pãezinhos. No último dia, estávamos no Louvre nos aculturando quando de repente olhei pela janela e vi que estava nevando. Dane-se a Mona Lisa, vamos lá curtir! A Nat nunca tinha visto neve. E nem parecia que ia nevar, ficamos com o maior frio, compramos dois pares de luvas GG na rua, que era o que tinha, e fomos andar por aí.

Não lembro bem como, acho que raspei a neve que se acumulou no capô de um carro, fiz uma bolinha e joguei nela. Ela imediatamente correu até o carro da frente, juntou outro montinho e tacou de volta em mim. Isso virou uma brincadeira e saímos correndo e gargalhando pela cidade, jogando neve uma na outra, virando esquinas, derrapando e gritando. Só acabou quando uma de nós, não sei qual, escorregou num gelo fininho e se estabacou no chão, o que foi mais engraçado do que dolorido, e deu um tempo pra gente parar e recuperar o fôlego.

Nessa hora percebemos que tínhamos passado a tarde nisso, não fazíamos mais ideia de onde a gente estava e logo, logo era hora de ir embora, o que implicava em voltar pro hotel, catar nossas malas e ir pra estação de trem. Em tempos que o celular servia apenas para fazer e receber ligações e as ruas já estavam fora do mapa turístico, precisamos usar toda a nossa inteligência, mas conseguimos nos achar e deu tudo certo.

Existe uma expressão em sueco – smultromställe -, que significa literalmente “lugar dos morangos silvestres”. Mas o que quer dizer de verdade é um lugar no mundo em que você se sente bem, longe de stress, de tristeza, de qualquer coisa ruim. É um cantinho que só você conhece, que outros não perceberiam como é especial, e que você vai para fugir um pouco do mundo.

Eu tenho voltado muito para aquele dia em Paris porque ele foi de verdade um dos melhores da minha vida. E daí percebi que a minha amizade com a Nat, mesmo com todos os dramas aos quais éramos tão afeitas, era um smultronställe espiritual. Cada noite que a gente virava inventando histórias, cada sequência de risos histéricos por coisas absolutamente banais, em que não existia mais nada no mundo, ficava tudo bem.

Queria que esse ano acabasse logo, mas não sei se quero encarar um próximo que vai começar sem ela. Por sorte tenho pra onde ir recuperar minha forças.