Em setembro de 2002 eu fui morar com a minha tia em
Bruxelas. Para quem ficava a semana inteira juntas na escola mais todos os fins
de semana na casa dela, foi um choque estar longe da Nat. Ela foi pra lá passar
o natal e ano novo comigo, aproveitando que nunca tinha ido pra Europa e que já
estávamos loucas de saudades.
No dia primeiro de janeiro de 2003, fomos para Paris passar três
dias. Fizemos algumas das coisas turísticas obrigatórias, mas nada que
requeresse muitas filas ou chateações, e comemos muitos pãezinhos. No último
dia, estávamos no Louvre nos aculturando quando de repente olhei pela janela e
vi que estava nevando. Dane-se a Mona Lisa, vamos lá curtir! A Nat nunca tinha
visto neve. E nem parecia que ia nevar, ficamos com o maior frio, compramos
dois pares de luvas GG na rua, que era o que tinha, e fomos andar por aí.
Não lembro bem como, acho que raspei a neve que se acumulou
no capô de um carro, fiz uma bolinha e joguei nela. Ela imediatamente correu
até o carro da frente, juntou outro montinho e tacou de volta em mim. Isso
virou uma brincadeira e saímos correndo e gargalhando pela cidade, jogando neve
uma na outra, virando esquinas, derrapando e gritando. Só acabou quando uma de
nós, não sei qual, escorregou num gelo fininho e se estabacou no chão, o que
foi mais engraçado do que dolorido, e deu um tempo pra gente parar e recuperar
o fôlego.
Nessa hora percebemos que tínhamos passado a tarde nisso,
não fazíamos mais ideia de onde a gente estava e logo, logo era hora de ir embora,
o que implicava em voltar pro hotel, catar nossas malas e ir pra estação de
trem. Em tempos que o celular servia apenas para fazer e receber ligações e as
ruas já estavam fora do mapa turístico, precisamos usar toda a nossa inteligência, mas
conseguimos nos achar e deu tudo certo.
Existe uma expressão em sueco – smultromställe -, que
significa literalmente “lugar dos morangos silvestres”. Mas o que quer dizer de
verdade é um lugar no mundo em que você se sente bem, longe de stress, de
tristeza, de qualquer coisa ruim. É um cantinho que só você conhece, que outros
não perceberiam como é especial, e que você vai para fugir um pouco do mundo.
Eu tenho voltado muito para aquele dia em Paris porque ele foi de verdade um dos melhores da minha vida. E daí
percebi que a minha amizade com a Nat, mesmo com todos os dramas aos quais éramos
tão afeitas, era um smultronställe espiritual. Cada noite que a gente virava
inventando histórias, cada sequência de risos histéricos por coisas
absolutamente banais, em que não existia mais nada no mundo, ficava tudo bem.
Queria que esse ano acabasse logo, mas não sei se quero
encarar um próximo que vai começar sem ela. Por sorte tenho pra onde ir recuperar minha forças.
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